Resumo
O Regulamento da União Europeia sobre Produtos Livres de Desflorestação e Degradação Florestal (European Union Deforestation-free Regulation – EUDR), aprovado em 2023, inaugura um marco regulatório de alcance global, ao impor requisitos de rastreabilidade, legalidade e sustentabilidade a produtos comercializados no mercado europeu. Este artigo analisa os principais aspectos da norma, sua aplicação temporal e subjetiva, os mecanismos de due diligence, bem como os potenciais impactos para operadores econômicos, especialmente em países exportadores de commodities como o Brasil. Aborda-se, ainda, o regime sancionatório e os desafios jurídicos que o EUDR suscita no campo do direito ambiental e do comércio internacional.
Palavras-chave: EUDR; União Europeia; Direito Ambiental; Comércio Internacional; Rastreabilidade; Penalidades.
1. Introdução
A União Europeia consolidou nos últimos anos um pacote de políticas ambientais alinhadas ao European Green Deal, impondo requisitos cada vez mais rígidos à produção e ao comércio de bens associados a impactos ambientais. O EUDR, aprovado em 2023, representa o esforço mais ambicioso até agora: impedir que commodities ligadas ao desmatamento ou à degradação florestal ingressem no mercado europeu.
Com alcance extraterritorial, o regulamento afeta diretamente países exportadores como o Brasil, criando novas obrigações de rastreabilidade e conformidade legal que desafiam produtores, empresas e governos.
2. Estrutura e alcance do EUDR
O regulamento aplica-se a sete commodities consideradas de risco florestal — soja, carne bovina, óleo de palma, café, cacau, borracha e madeira — além de seus derivados, como couro, móveis, papel e chocolate.
Logo, do ponto de vista subjetivo, distingue-se entre operadores (que introduzem os produtos no mercado europeu ou os exportam a partir da UE) e comerciantes (que apenas os disponibilizam no mercado interno). Ambos, contudo, devem comprovar conformidade.
No que toca à temporalidade, embora o regulamento tenha entrado em vigor em junho de 2023, sua aplicação será obrigatória a partir de dezembro de 2025 para grandes operadores, com prazo estendido até junho de 2026 para micro e pequenas empresas.
3. Rastreabilidade, legalidade e due diligence
O núcleo da EUDR está na exigência de rastreabilidade total das cadeias produtivas. Os produtos deverão estar vinculados a coordenadas geográficas específicas, demonstrando que não foram produzidos em áreas desmatadas ou degradadas após 31 de dezembro de 2020.
Além disso, a produção deve obedecer integralmente às leis do país de origem, abrangendo normas fundiárias, ambientais, trabalhistas e de direitos de comunidades locais e povos indígenas. O operador tem a obrigação de realizar uma due diligence robusta, que envolve avaliação de risco, medidas de mitigação e emissão de declaração formal de conformidade.
Esse conjunto de requisitos impacta diretamente a governança das cadeias de suprimentos, impondo custos adicionais, necessidade de contratos mais rigorosos e integração de tecnologias de monitoramento.
4. Impactos jurídicos e regime sancionatório
O EUDR inaugura um sistema de responsabilização que poderá redefinir contratos internacionais. Fornecedores de países exportadores precisarão ajustar cláusulas contratuais para incluir garantias de rastreabilidade, alocação de riscos e previsões de penalidade em caso de descumprimento.
No plano sancionatório, o regulamento confere às autoridades dos Estados-Membros poderes para aplicar medidas severas: multas proporcionais ao faturamento (podendo alcançar 4% da receita anual no mercado europeu), apreensão de mercadorias, proibição temporária de comercializar produtos e inclusão em listas públicas de infratores. O caráter punitivo reforça a intenção da UE de criar um sistema dissuasório, capaz de induzir mudanças concretas nas práticas produtivas globais.
5. Desafios e perspectivas
Apesar de sua ambição ambiental, o EUDR levanta controvérsias jurídicas relevantes. Entre elas: a definição técnica de desmatamento e degradação; a compatibilidade entre exigências europeias e legislações nacionais; o risco de exclusão de pequenos produtores das cadeias de exportação; e a necessidade de proteger dados sensíveis relativos às áreas produtivas.
Por outro lado, a regulamentação cria oportunidades estratégicas para empresas e países que conseguirem adaptar-se rapidamente, utilizando a conformidade como diferencial competitivo no mercado global e fortalecendo sua imagem socioambiental.
Conclusão
O EUDR representa mais do que um regulamento europeu: é um marco de governança ambiental com efeitos transnacionais, capaz de influenciar práticas produtivas em larga escala. Para o Brasil, desafia tanto o setor privado quanto o público a investir em rastreabilidade, transparência e adequação jurídica, sob pena de perder acesso a mercados relevantes.
Seus impactos jurídicos transcendem o comércio internacional, projetando-se também sobre contratos, responsabilidade corporativa, direitos socioambientais e políticas públicas. Mais do que um obstáculo, a norma pode ser vista como oportunidade para reposicionar cadeias produtivas em direção a padrões mais sustentáveis e competitivos.