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Litigância Climática: o avanço do controle judicial sobre a crise do clima

Nos últimos anos, o direito ao clima equilibrado deixou de ser uma abstração para se tornar objeto de decisões concretas nos tribunais. O fenômeno conhecido como litigância climática vem se consolidando como uma das principais ferramentas de cobrança de compromissos ambientais e de concretização do artigo 225 da Constituição Federal, que assegura a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Mas, afinal, o que é litigância climática — e por que ela vem crescendo no Brasil?

1. O que é litigância climática

O termo “litigância climática” designa o conjunto de ações judiciais que buscam responsabilizar o Estado ou empresas por omissões, atos ou políticas que contribuam para o agravamento das mudanças climáticas.
Essas ações podem ter naturezas variadas — cível, constitucional, administrativa ou até consumerista — e costumam buscar:

  • a implementação de políticas públicas climáticas;
  • a reparação de danos ambientais; ou
  • a revisão de condutas empresariais inconsistentes com compromissos de sustentabilidade.

Em síntese, é o uso do Poder Judiciário como instrumento de governança climática.

2. O marco jurídico da litigância climática no Brasil

A base normativa para a litigância climática brasileira é sólida e multifacetada. Destacam-se:

  • Constituição Federal, art. 225 – estabelece o direito fundamental ao meio ambiente equilibrado e o dever do Poder Público e da coletividade de defendê-lo e preservá-lo;
  • Lei nº 12.187/2009 – institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC);
  • Decreto nº 11.075/2022 – regulamenta o mercado de carbono e atualiza as metas de descarbonização;
  • Decreto nº 9.073/2017 – promulga o Acordo de Paris, integrando-o ao ordenamento jurídico brasileiro;
  • Princípio da precaução, previsto na Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992) e incorporado pela jurisprudência pátria.

Esses instrumentos permitem que o Judiciário intervenha quando há omissão ou retrocesso injustificado na política climática — fenômeno que o Supremo Tribunal Federal vem reconhecendo como violação de direitos fundamentais.

3. Casos paradigmáticos no Brasil

O Brasil tem se tornado referência na judicialização do clima.
Entre os casos mais relevantes, destacam-se:

  • ADPF 708/DF (STF, rel. Min. Luís Roberto Barroso) – reconheceu que o Governo Federal foi omisso na execução do Fundo Clima, afirmando que o direito ao meio ambiente equilibrado abrange o direito ao clima estável;
  • ADPF 760/DF (Fundo Amazônia) – o STF determinou que o Executivo retomasse o funcionamento do Fundo Amazônia, reforçando o princípio da vedação ao retrocesso ambiental;
  • ACP MPF x União (2020 – Queimadas no Pantanal) – buscou compelir o Estado a adotar medidas urgentes de prevenção e combate aos incêndios florestais, diante da omissão administrativa;
  • Ações civis públicas sobre greenwashing – casos em que empresas são questionadas judicialmente por divulgação enganosa de práticas sustentáveis, com base no CDC e na Lei da PNRS (Lei nº 12.305/2010).

Essas decisões demonstram que o Judiciário vem assumindo papel ativo na proteção do clima, quando os demais poderes não atuam de forma efetiva.

4. O setor privado e o dever de diligência climática

A litigância climática não se restringe ao Estado. O setor privado também tem sido alvo de ações por omissão na gestão de emissões de gases de efeito estufa (GEE), falsas alegações de sustentabilidade (greenwashing) e impactos indiretos em cadeias de valor.

No cenário internacional, empresas já enfrentam condenações por violação de deveres de mitigação climática, como no emblemático caso Urgenda Foundation v. Netherlands (2015), que obrigou o governo holandês a reduzir emissões em pelo menos 25% até 2020, e no caso Milieudefensie v. Shell (2021), que impôs metas obrigatórias de redução à empresa petrolífera.

Esses precedentes influenciam diretamente o debate no Brasil, onde cresce a exigência de governança climática corporativa e due diligence ambiental, alinhada a diretrizes internacionais como a CSDDD (Corporate Sustainability Due Diligence Directive) e a CSRD (Corporate Sustainability Reporting Directive).

5. Desafios jurídicos e perspectivas

Apesar do avanço, a litigância climática ainda enfrenta importantes desafios:

  • Nexo causal: comprovar a relação entre uma conduta específica e um evento climático global;
  • Separação de poderes: delimitar o alcance legítimo da intervenção judicial em políticas públicas;
  • Capacitação do Judiciário: necessidade de formação técnica em temas climáticos e científicos;
  • Internacionalização da litigância: compatibilizar decisões nacionais com compromissos multilaterais.

O caminho, contudo, é de fortalecimento institucional. O STF já reconheceu, em decisões recentes, que a omissão estatal na proteção climática configura violação direta da Constituição — e que o Judiciário pode atuar como “guardião da integridade ecológica”.

6. Conclusão

A litigância climática é mais do que uma tendência: é a tradução jurídica de uma urgência planetária.
Representa a busca pela efetividade das normas ambientais e pela responsabilização concreta de quem compromete o equilíbrio climático, seja o Estado ou o setor privado.

Como bem afirma Édis Milaré, “o Direito Ambiental é o ramo jurídico do futuro porque protege o próprio direito de existir”.
A litigância climática, nesse contexto, é a via pela qual o presente cobra coerência e ação em nome das próximas gerações.

Referências

  • BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
  • BRASIL. Lei nº 12.187/2009. Institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima.
  • BRASIL. Decreto nº 11.075/2022. Regulamenta o mercado de carbono e define estratégias de descarbonização.
  • BRASIL. Decreto nº 9.073/2017. Promulga o Acordo de Paris.
  • STF – ADPF 708/DF, rel. Min. Luís Roberto Barroso, j. 2022.
  • STF – ADPF 760/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, j. 2022.
  • URGENDA FOUNDATION v. Netherlands, The Hague District Court, 2015.
  • MILIEUDEFENSIE et al. v. Royal Dutch Shell, The Hague District Court, 2021.
  • MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: A gestão ambiental em foco. 12ª ed. São Paulo: RT, 2024.
  • SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Direitos Fundamentais e Proteção do Ambiente. 5ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2023.